– Há vários anos eu dei uma festa anos 70, e, juntando os LPs, descobri uma coletânea cujo selo tinha endereço – à época – numa casa vizinha. Para uma rua com não mais do que vinte imóveis, dá para imaginar a surpresa.
– Essas coisas não acontecem em BrasÃlia, é tudo muito recente.
– A ladeira aqui ao lado é antiga, então você descobre referências interessantÃssimas pela Internet, como o próprio decreto redefinindo os limites do Parque Nacional da Tijuca – ao qual ela pertence. Olha só esse trecho: Floresta da Tijuca (Setor A), pela vertente oeste:
começa no Portão da Floresta da Tijuca na Praça Afonso Viseu (Ponto 1) e sobe pelo espigão na direção do cume do Morro do Visconde (517,4 m), cruzando as cotas 375 m (Ponto 2), cota 425 m (Ponto 3), cota 460 m (Ponto 4). DaÃ, segue por esta cota 460 m em direção oeste e encontra a linha imaginária geográfica de direção Norte-Sul (Ponto 5), que liga o cume do Morro do Almeida (537,1 m) à Estrada do Açude, cruzando as curvas de cota 440 m (Ponto 6), e cota 410 m (Ponto 7). (…)
– Hahahaha
– Trabalho de corno, levantar isso.
– E o pior é que essas cotas são um saco pra medir. Já fiz muito.
– No meu primeiro estágio, fui alocado junto ao pessoal de arquitetura, e fiquei desenhando loteamentos irregulares por meses.
– Eu passei um semestre inteiro fazendo isso, medindo declividade e limite de lote com técnicas rudimentares. Depois, eu fiz topografia e me deram uns medidores melhores.
– O meu prazer foi descobrir a borracha elétrica para nanquim, que maravilha. E tomei horror a normógrafo!
– Hahahaha só mexi com isso no primeiro semestre de faculdade. Eu medi um terreno de shopping inteiro, e o pior era o mato com dois metros de altura. Fui de bota, achando que poderia encontrar uma cobra a cada metro. DaÃ, passou uma viatura de polÃcia: “O que você tá fazendo?” “Trabalho para a faculdade.” “Semana passada tiveram três estupros aqui.” “Ah, bom saber…” DaÃ, eu já tinha medido a borda inteira do terreno, e meu professor nos fez mudar para um três vezes maior – mas sem mato!
– Credo.
– Um horror, mas aprendi. Vou dormir, que amanhã eu vou fazer a cenografia de um desfile no Museu do Niemeyer, inaugurado há pouco no Centro Cultural da República, junto a uma biblioteca ainda sem livros! Haha
– Aliás, eu não entendi esse nome “Biblioteca Nacional”. É outra?
– Pois é, eu já questionei isso. A cúpula é bonita, o Niemeyer é bom mesmo, ainda que não faça habitável. Fico impressionada, cada rampa linda. Quando conversei com o engenheiro de lá, ele confessou estar com medo de tirar as estacas de apoio! Haha
– Eu vejo nele uma figura para sinalizar possibilidades, puxar por alternativas para os profissionais cotidianos.
– Claro! Eu moro numa cidade feita por ele, então eu amo e odeio. Na verdade, eu acho pior o que o Lucio Costa fez.
– Eu nunca vi a Ãntegra do plano dele para a Barra, mas algo me diz que não é bom.
– Eu já vi, tenho em livro.
– Opa, eu adoro história urbana. Acho que, lá no fundo, eu sou um pouquinho arquiteto ou urbanista.
– Eu adoro. Meu ensaio teórico foi uma análise urbana que acabou engraçada. Fui analisar arquitetura e acabei justificando pela não-urbanidade… adorei!
– Aproveitando o assunto, eu tenho uma teoria a respeito da ocupação e demarcação de vias para pedrestres. Pode reparar que geralmente as pessoas criam atalhos pela grama, evitando os traçados excessivamente cartesianos, gerando, à sua maneira, trilhas que correspondem ao trajeto natural. Não seria importante aplicar algum tipo de conhecimento a isso, antes de estabelecer espaços impositivos? É utópico, eu sei.
– Hahahaha procura por BrasÃlia no Google Earth; é só o que tem, e não há solução por causa do plano Lucio Costa.
– Acho que você disse tudo. É o plano do Lucio Costa.
12/02
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